quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O Compromissso Histérico

O PSD está a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que Sócrates repita a maioria absoluta.
Senão, vejamos as recentes declarações de António Borges sobre o aumento de 2,9 % para a Função Pública que tão maltratada tem sido por este Governo.
É, claramente, um esforço para que os votos dos funcionários públicos não fujam do redil "socialista".
A razão de ser de tudo isto é medianamente fácil de entender:
The man is good for the job !!!

A Inauguração

"A banda, a bandeira, os bandalhos, os bandidos, a força pública e o público à força".

Post Scriptum:
Não resisto a respigar esta dos tempos da "outra senhora", infelizmente ainda, e cada vez mais, actual.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

"Compagnons de Route"

Na clássica estratégia comunista saída do Komintern o "frentismo" implicava que se atrelassem à carruagem personalidades "democráticas" que não sendo membros da estrutura partidária servissem os interesses estratégicos das organizações de "vanguarda".
Era o tempo dos célebres compagnons de route, geralmente intelectuais (escritores, cientistas) ou artistas (pintores, escultores ou músicos) cuja aura de credibilidade passava por "osmose" para as causas que apoiavam.
É por causa disso que ainda hoje ( e também por causa das mentiritas, por cá conhecidas por "cubas-livres", dos charutos e sobretudo das chicas) e ainda da notoriedade e dos pequenos privilégios associados a uma espécie de star system de gauche e por cá já demodé, que muita da nossa "gente de cultura" se sente tão bem em Cuba, por exemplo.
Mas esta moda dos compagnons de route não é apanágio apenas da esquerda "jurássica", agora também os interesses mais ou menos nebulosos ligados á chamada "Economia de Casino", tem os seus compagnons de route cuja função é similar à dos outros: conferir credibilidade a negócios duvidosos, como os Bancos "D. Branca" que agora estamos (estão os do costume, quem paga impostos) a pagar .
As contrapartidas por este empréstimo de personalidade: sinecuras e avenças, mordomias e honorários que dão sempre muito jeitinho, ainda por cima para remunerar principescamente cargos não-executivos, quase sempre, Presidentes de Assembleias Gerais ou membros de Conselhos Consultivos.
Enfim, ao contrário do que diz a letra de uma velha canção de Sérgio Godinho:
"Muito pouco esforço para tanto dinheiro"!!!

Não-lugares

As auto-estradas são perfeitos exemplos de não-lugares no sentido que lhes atribui Marc Augé, são pistas de passagem por territórios que servem unicamente para isso mesmo: passar.
Ao contrário do que acontecia nas "velhas "estradas não atravessam centros urbanos, nem sequer "criam" localidades dedicadas como a Mimosa ou o Canal Caveira na "antiga" estrada para o Algarve.
Não, agora as "Áreas de Serviço" de Grândola ou de Alcácer não permitem, sequer, avistar Grandôla ou Alcácer como se dizia de Braga, nem por um "canudo" as referidas terras, tal como as placas (chamar-lhes-ia "atoponímicas") que referem, por exemplo, "Conímbriga" ou o "Castelo de Almourol" e apenas significam não-presenças constituindo meras referências evocatórias de locais ou "coisas" ali "presentificadas" por nomes em "vez de".
A versão "arcaica" deste fenómeno é a Estação de caminhos de ferro de Fátima a uns bons 25 Kms da própria localidade, ideal, por isso, e em conformidade, para ir a pé até lá.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O Apego à Ração

Como era de esperar, a proposta de suspensão deste modelo de "avaliação" de professores foi chumbada apenas com os votos necessários e suficientes do PS.
Poucos dos muitos deputados da maioria que são, ou pelo menos, costumavam ser professores de profissão, não quiseram arriscar o lugarzinho na AR, memo que para isso tenham traído a luta da esmagadora maioria dos seus colegas (120000 saíram à rua); não importando que este modelo de "avaliação" nada avalie a não ser papelada.
E não sendo difícil a alguém de mediana compreensão entender que "avaliação" é esta que permite deixar de fora a componente científico-pedagógica, ou seja, o trabalho do professor na sala de aula, precisamente aquilo que o comum dos mortais costumava entender que um professor devia saber fazer ?!
Mas não meus caros, "eles" não estão enganados, o problema é mais grave, aquilo que na concepção do governo e do seu ME, deve ser um "professor" corresponde a um burocrata acrítico e abúlico , escravizado e funcionarizado, que aplique mecanicamente as directivas "educativas" do "faz de conta" e do "para inglês ver" a que estão a querer reduzir a Escola Pública em Portugal; na fabricação do "sucesso" estatístico e da "soltura" certificativa que a nada corresponde em termos efectivos de educação e formação
Para isso, não é preciso que um professor saiba ensinar , basta que encaminhe e certifique uns copy pastes tirados da net, preencha uma enxurrada de fichas e relatórios onde registe os "milagres" que acabou de realizar e ponha tudo em portefólios com quilos de papel, que a "avaliação" vai ser a olho, a metro e a peso e de preferência pelo célebre "método da escada".
Quem contesta esta pouca vergonha tem vindo a pôr a tónica na evidência da contenção orçamental e na necessidade de impedir que os professores cheguem ao topo da carreira e assim saiam mais "baratos", o que é verdade mas não é tudo, nem me parece mesmo o essencial.
Esta é uma "guerra" política inédita que um Governo com maioria absoluta e que se diz de "esquerda", move a todo um grupo profissional escolhido a dedo, através de uma campanha de ódio, explorando os recônditos mais baixos da alma humana como a inveja e o ressentimento ( e atente-se que nunca se invejam os Rockfellers, inveja-se sempre o vizinho do lado, por isso é que a "corporação " dos professores foi escolhida para "bode expiatório"), para dar à populaça o sangue que ela reclama e passar por "corajoso" e "determinado", sem, obviamente, tocar nos interesses das verdadeiras corporações.
Daí este modelo de "avaliação" e este Estatuto da Carreira Docente que fractura a profissão sem que nenhum acréscimo funcional daí decorra e em que o que se pretende é mesmo "dividir para reinar".
Daí o "novo" (velho, muito velho mesmo) modelo de gestão das Escolas onde se arranjou um complexo e absolutamente desnecessário mecanismo atabalhoado e complicativo, para mascarar de "eleição" aquilo que não houve coragem de assumir às claras: a nomeação, pela tutela, dos Directores das Escolas (esta é mesmo "à PS", do "só ares" para o "nem ares").
Quanto à triste figura dos deputados-professores do PS, está na "cara" e é, no fundo, "natural":
Eles querem continuar a ser deputados e não querem, vade retro, voltar a ser professores.
É que isto de andar de "cavalo para burro" é muito triste, sobretudo quando já se está habituado à ração!!!
Post Scriptum:
E tudo isto antes que o combóio chegue ao Samouco !...

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Sócrates e o Regresso à Maiêutica



Há quem veja a maiêutica socrática, ou seja, a arte de fazer o próximo “parir” a verdade, como mais um instrumento metodológico de uma “sofística” pretensamente anti-sofística. Nós, portugueses, estamos bem servidos de expedientes deste género: Salazar, por exemplo, assumiu-se como “mestre” de uma "política sem política” e temos vivido, desde os anos 80, sob o jugo de uma ideologia global (o capitalismo neo‑liberal) que proclamou a “morte das ideologias” (certamente que das “outras”), da teleologia do mercado e que se pretendeu instituir como única “religião” com os resultados que estão à vista!
È um “truque” recorrente o próprio ladrão gritar “agarra que é ladrão”! E esta técnica persuasiva de induzir a “verdade” conveniente é tão antiga como os registos da Humanidade e está catalogada como técnica retórica, sendo recurso vulgar de todos os vendedores de “banha‑da‑cobra”.
É precisamente o que se passa com a “Moção de Sócrates” para o próximo Congresso do PS, que foi apresentada ontem, domingo, no CCB e que como “novidades” apresenta o velho tema “fracturante” do “casamento entre pessoas do mesmo sexo” sem adiantar mais pormenores, sem se querer comprometer com mais nada, ou seja, com as questões conexas do direito à adopção, etc., etc., e a “protecção à classe média”, por via da política fiscal.
Ora estas propostas, sobretudo a última, uma vez que a primeira se insere na táctica de agarrar eleitoralmente uma “franja”, depois de a ter traído consecutivamente, parecem-me eivadas de farisaísmo e vamos por partes:
A política fiscal em Portugal constitui efectivamente e desde “sempre”, um autêntico esbulho, uma verdadeira exacção à tal classe média que o “nosso” Sócrates se propõe agora “proteger” depois de ter andado a “sugar”durante todo o mandato.
Não é por acaso que Portugal é e tem continuado a ser, até se agravando o fosso durante o consulado “socialista” de Sócrates, um dos países mais económica e socialmente desiguais, não apenas entre os países da União Europeia, mesmo considerando os recém entrados, mas entre os países da própria OCDE, ou seja é estruturalmente e há séculos, um país em que o rendimento e consequentemente a riqueza é muito desigualmente distribuído e nós sabemos bem das “dificuldades que tem um reino velho em emendar‑se”, mas também sabemos quanto os governos e as forças sociais dominantes têm, ao longo de séculos, vindo a compactuar com a situação sejam de “esquerda” ou não.
E quando algo ameaça mudar o establishment, ou começa a cheirar a pólvora ou se inventa uma qualquer “Casa Pia”*, para arredar os “empecilhos” que dantes iam para o patíbulo e agora vão para a gaiola dourada de Bruxelas e arredores.
Mas voltando à “vaca fria”, se o critério de protecção à classe média for o mesmo que tem vigorado no iníquo sistema fiscal a que temos estado submetidos, auguro que seja mais do mesmo e que quaisquer 300 contos de rendimento bruto mensal (1500 Euros) sejam (como actualmente são) suficientes para fazer um “rico” fiscal em Portugal, onde infelizmente, rendimento declarado e rendimento real são duas coisas bem diferentes e assim, a classe média assalariada continuará a ser a “teta” espremida até sangrar, pela “retenção na fonte” de uma fatia importante dos rendimentos brutos, com a agravante de aquilo que para ela são “luxos” (a habitação, os carros, o combustíveis, as comunicações, as propinas, as refeições, as “taxas moderadoras” na saúde, por exemplo, etc., etc.) para outros serem “despesas” a deduzir, o que permite que muitas empresas (grandes, pequenas e médias) sejam constante e sistematicamente descapitalizadas e o erário público delapidado, pelo uso privado de verbas e bens das mesmas (viaturas e despesas de todo o tipo: desde refeições em restaurantes, sejam “populares” ou de luxo como recentemente foi tornado público na Gebalis, por exemplo, até férias nas Caraíbas). Mas com isso “ninguém” parece preocupar-se a sério e o “regabofe” continua.
Para além das reformas milionárias dos “banqueiros” públicos como a CGD e o Banco de Portugal por muito pouco tempo de “trabalho”e também das subvenções vitalícias aos titulares de cargos políticos e às acumulações escandalosas que só a alguns são permitidas e que indiciam gravíssima ancilose de uma República que nunca o chegou a ser em pleno.
E continua, num paradigma de contenção e agrado aos extremos da pirâmide social, com uma política económica de “Robin dos Bosques” ao contrário, em que se rouba aos verdadeiramente pobres para dar aos verdadeiramente ricos, como agora se está a verificar no socorro às finanças de Bancos de créditos duvidosos e gestão ruinosa e mesmo fraudulenta, significando a defesa dos interesses das verdadeiras corporações (não resisto a parafrasear o título da mais recente obra de João Aguiar, do “Priorado do Cifrão”) em que se privatizam os benefícios, mas se “socializam” os prejuízos e “passa a mão pelo pêlo” das franjas marginais (o que classicamente se designava por lumpen), através de subsídios vários, distribuídos por critérios mais do que duvidosos e que implicam a dispensa objectiva de qualquer tipo de esforço e de obrigação a extractos de população que se transformam em eleitores de voto cativo, quando não em “tropas de choque” para prélios vários, internos e externos a forças partidárias (a este propósito, veja-se o que se passa nos “Bairros Sociais” do Porto, por exemplo, no que toca à difícil relação das “populações” com a actual gestão municipal).
E ainda por cima e como estamos em maré de clássicos, é tudo para as “calendas gregas”, mesmo sabendo de antemão que estas nunca existiram, pois as “calendas” só figuravam no calendário latino. Quer dizer, o “saque” continua até ao fim da legislatura e depois logo se vê…!
Por estas e por outras no que toca ao “histórico” de credibilidade do Sócrates contemporâneo, mais “espertalhaço” do que o outro, não é difícil concluir, que este quer, ao contrário do ilustre ateniense, que sejamos nós a beber a cicuta!


António José Carvalho Ferreira
Co-fundador da Secção do Barreiro do Partido Socialista em Abril de 1974

Post-Scriptum:

* É evidente que não estou a pretender dizer que o caso “Casa Pia” é uma ficção, há é demasiados e “convenientes” erros de casting.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Idiossincrasias "Dialectais"

No meu post anterior, "Cada cor seu paladar", referi certas idiossincrasias "dialectais" barreirenses e não apenas "camarras", porque o seu uso incluia mesmo os não radicalmente "camarros" ( e esses usavam um linguajar muito mais "cerrado" de que hoje muito pouco sobrevive).
Esses modos próprios de falar não se reduziam a questões lexicais, mas também à fonética e eu tive ocasião de me aperceber disso quando, aos dez anos, e por não haver ainda ensino liceal público no Barreiro, fui para o Gil Vicente na Rua da Verónica à Graça no coração da Lisboa castiça.
Lá e mais tarde, já no início dos anos 70, no D. João de Castro, reparei que os meus colegas "alfacinhas" (ou com pretensões a isso) me perguntavam se eu era "alentejano"; confesso que estranhei muito a pergunta, apesar de no último caso e uma vez que já tinha quinze
"(d)espertos" anos, responder que, em bom rigor deveria ser, uma vez que tomando a capital como referência, tinha nascido para além do Tejo ( o grande rio da nossa aldeia comum), e vêm-me sempre à memória os versos do cante:"Quando cheguei ao Barreiro e embarquei no vapor que passa o Tejo, chora por mim que eu choro por ti, já deixei o Alentejo".
Mas excessos de rigor à parte, acabava por dizer que no sentido usual não, não era alentejano, era do Barreiro.
- " E vocês lá não falam como em Lisboa"?- perguntavam eles.
E eu que julgava que sim, que falávamos como em Lisboa, tive que admitir que apesar dos verdadeiros alentejanos quando com eles falávamos nos atribuirem essa proveniência, havia diferenças e não tão poucas como isso.
Assim a "coisa" começava logo na fonética:
Onde "eles"( em Lisboa) diziam : - "Oh pá"!, "nós "(cá no Barreiro) dizíamos: - " Eh pá"!
Em Lisboa era "Tiio", "Riio", no Barreiro "Tiu", "Riu" e em "camarro" verdadeiro "jôge" por "jogo"( o senhor José Augusto, velha glória do Barreirense, do Benfica e da Selecção, um dos magriços de Inglaterra 66, ainda utiliza essa deliciosa pronúncia quando na televisão ou na rádio comenta jogos ).
Também no léxico havia diferenças notáveis, para além dos "bananins"/"paladares"
Em Lisboa dizia-se "berlinde" ou bilas, nós "bogalho"; eles (mais "elas") jogavam à "macaca", por cá era à "semana", eles comiam "carcaças", nós "paposecos",; já eles reinavam, ou pior, "rénavam" e nós aí falávamos português porque nos limitávamos a "brincar", nós tínhamos a malta ou a maltinha ( a da Cerca, a do Altinho, a temível da Srª. do Rosário e a terrível da Miguel Pais, malta camarra) e eles a "maralha".
Expressões interessantíssimas se ouviam, a minha tia (tia avó) a "menina" Adélia que está à beira dos noventa, quando lhe perguntavam pela noitinha :
- "Boa noute! Atão, adonde vás" ?
- " Vou à da m'nha cunhada"!
Mas nestas questões dos "dialectos" locais não convém abusar.
Lembro-me que aí por oitenta e poucos, fui ao Porto e fiquei num daqueles hotéis da Avenida dos Aliados; de manhã, entrando num daqueles velhos e grandes cafés pedi, ao balcão, um cimbalino.
O empregado olhou-me de soslaio e retorquiu:
- "Deseja uma bica, não é verdade" ?!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

CADA COR, SEU PALADAR !

Quando o "Barco do Barreiro" ainda era o "Barco do Barreiro", ou seja aquele robusto ferry, (qual "cacilheiro", qual quê!), que levava a tal meia-hora (e assim permaneceu durante décadas), o que era um tempo razoavelmente longo que dava para arranjar namoros e até "arranjinhos" mais ou menos clandestinos, dava para ler, para estudar, para jogar às cartas a "doer" ( a cave era o "casino" ) e até para dormir ( quantos não fizeram várias viagens de ida e volta sem dar por isso)?
Havia uns homens com umas pastas de cabedal sempre inchadas que corriam os transportes da zona da Grande Lisboa, (barcos, metro e combóios suburbanos), vendendo "paladares" (no Barreiro que nisto das idiossincrassias "dialectais" foi, infelizmente já não é, já está também "globalizado", muito pródigo, também chamados "bananins"), uns rebuçados artesanais embrulhados em papéis de celofane coloridos, com sabores a frutas, que eles apregoavam:
- "Cada cor, seu paladar"!
Mas não vendiam só isso, vendiam também lotaria, utilidades várias (pilhas, pensos rápidos, pentes, corta-unhas), livros de cowboys e da Corín Tellado, "para entreter na viagem" e até algumas "inutilidades" como talismãs.
Destes, havia um certo sortido: figas, "signosaimões" (ou seja, "signos de Salomão", mais precisamente, "estrelas de David") e cornos, tudo de plástico branco amarelado a imitar marfim e com uma argolinha para pendurar nos fios e usar ao pescoço para "dar sorte".
Um desses homens, quase todos já na meia idade, tinha um humor muito sui generis; era aquilo que se pode chamar um "castiço"; aliás característica não rara neste tipo de pessoas com um quotidiano bem menos formal do que o que era comum na época.
Esse, quando entrava nos salões do barco apinhados de gente à hora de ponta, lançava, alto e bom som, o seu pregão:
- "Cornos, quem quer cornos"?!
Perante a silenciosa estupefacção dos circunstantes, concluía:
- "Ninguém quer?! Já vi que estão servidos"!

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

JÁ NÃO FUMEGA !

Tomando de empréstimo a designação de uma já clássica banda de rock nortenha é o meu "grito de alma", quando por motivos de saúde e com alguma nostalgia, caminho pelo Barreiro e de "humores merencórios" espontaneamente corre em mim a "bobine" da terra da minha infância e juventude.
São os mesmos sítios, só que sitiados.
E é verdade que o que é , pode, simultaneamente, não ser!
Já não fumegam as chaminés que a meias com o nevoeiro, produziam o smog acre e irritante que era já parte integrante da "nossa" paisagem industrial, que nos incomodava, mas nos conferia um sentimento de dignidade, de razão de ser.
Olhar os esqueletos e os fantasmas de uma actividade produtiva que não se reconverteu, apenas morreu de inanição, é triste e acorda em mim a voz dos que já cá não estão e vivos passaram nestas ruas agora demasiado silenciosas.
(The ancient empty streets too dead for dreaming) !
Como eu lhes entendo agora o sentido!
O Barreiro e a despeito das recentes "novidades", sem dúvida importantes e significativas, respira um pouco por todo o seu tecido urbano e muito no conjunto, demasiado concentrado em certas zonas como o Barreiro Velho, um ambiente de decadência e profunda degradação física e estética que se torna deprimente. Se bem que este ambiente não seja exclusivo, longe disso, do Barreiro, a própria antiga e esplendorosa capital do Império padece do mesmo mal, mas neste caso a patine do tempo e a beleza dos espaços compensa de algum modo a "negra" face, no caso do Barreiro isso não acontece.
Um pouco por toda a parte vemos edifícios profundamente degradados, mesmo nas áreas mais "centrais", fitas vermelhas e brancas indicam perigo e ruína, mas não evitam a sua eminência.
Um pouco por toda a parte há "enclaves de deserto", terrenos "baldios" cheios de escombros, lixo e dejectos. Um pouco por toda a parte reinam as sombras do passado, antigos fabricos de cortiça abandonados e terrenos inertes invadidos pelo mato mesmo no "coração" das zonas mais "nobres" da Cidade.
A juntar a este cenário desolador temos um "urbanismo" de gosto muito duvidoso, onde se esgota quase toda a possível paleta da piroseira suburbana mascarada de pós modernidade para consumo das hostes fiéis a um novo-riquismo possidónio que caracteriza um certo "mercado" em que impera o gadget e a objectiva inutilidade, desde o "estore eléctrico" à "música ambiente".
É preciso intervir mais do que cosmética ou especulativamente neste estado de coisas, a nossa zona ribeirinha noroeste por exemplo, na margem do Tejo, nas zonas de Alburrica e do Mexilhoeiro, está há décadas ao "deus-dará" e como diz a canção: "quando Deus não dá, como é que vai ficar" ?!
Assim mesmo, sem tirar nem pôr!
Mas recuperar não é "amaricar" e corroborando a opinião do ilustre Arquitecto Paisagista Gonçalo Ribeiro Teles, não se "recupera" o nosso património natural e edificado espetando palmeirinhas e "mobiliário urbano" plastificado desde o Gerês a Vila Real de Santo António.
Hoje, ao vir a pé quase ao pôr do Sol, pelo viaduto "cardiovascular" da Recosta, junto áquele pavilhão do Pingo Doce, que até nem é feio, mas que está a virar fantasma por abandono das actividades complementares, sobre barrancos "carecas" por abrasão do escalracho que "arrelvava" as zonas junto ao Terminal Rodo- ferroviário-fluvial completamente ocupadas pelas "inevitáveis"(até ver) latas de quatro rodas em que nos fazemos transportar, reparei nas linhas arrancadas e no deslocamento para nascente da Linha Férrea agora electrificada e, vendo uma composição das novas a assinalar partida, esperei em pleno viaduto que o combóio me passasse por baixo, nisto o maquinista que não consegui reconhecer, mas que certamente me reconheceu, acenou para mim e saudou-me com um ligeiro apito!
Este simples gesto iluminou as brumas da minha memória e deu-me o alento necessário para escrever este texto que é de um encantado desencanto!...